Vinho e Poesia Paulo Queiroz, setembro 1, 2020agosto 8, 2023 Não só vinho. Fernando Pessoa Não só vinho, mas nele o olvido, deito Na taça: serei ledo, porque a dita É ignara. Quem, lembrando Ou prevendo, sorrira? Dos brutos, não a vida, senão a alma, Consigamos, pensando; recolhidos No impalpável destino Que não ‘spera nem lembra. Com mão mortal elevo à mortal boca Em frágil taça o passageiro vinho, Baços os olhos feitos Para deixar de ver Ode ao Vinho Pablo Neruda Vinho cor do dia vinho cor da noite vinho com pés púrpura o sangue de topázio vinho, estrelado filho da terra vino, liso como uma espada de ouro, suave como um desordenado veludo vinho encaracolado e suspenso, amoroso, marinho nunca coubeste em um copo, em um canto, em um homem, coral, gregário és, e quando menos mútuo. O vinho move a primavera cresce como uma planta de alegria caem muros, penhascos, se fecham os abismos, nasce o canto. Oh tú, jarra de vinho, no deserto com a saborosa que amo, disse o velho poeta. Que o cântaro do vinho ao peso do amor some seu beijo. Amo sobre uma mesa, quando se fala, à luz de uma garrafa de inteligente vinho. Que o bebam, que recordem em cada gota de ouro ou copo de topázio ou colher de púrpura que trabalhou no outono até encher de vinho as vasilhas e aprenda o homem obscuro, no ceremonial de seu negócio, a recordar a terra e seus deveres, a propagar o cântico do fruto. Soneto do Vinho Jorge Luis Borges Em que reino, em que século, sob que silenciosa Conjunção dos astros, em que dia secreto Que o mármore não salvou, surgiu a valorosa E singular idéia de inventar a alegria? Com outonos de ouro a inventaram. O vinho flui rubro ao longo das gerações Como o rio do tempo e no árduo caminho Nos invada sua música, seu fogo e seus leões. Na noite do júbilo ou na jornada adversa Exalta a alegria ou mitiga o espanto E a exaltação nova que este dia lhe canto Outrora a cantaram o árabe e o persa. Vinho, ensina-me a arte de ver minha própria história Como se esta já fora cinza na memória. Artigos Vinho e poesia